Em biografia intercalada de receitas, cozinheira Palmirinha Onofre esquece lado divertido

ANTONIO FARINACI

Colaboração para o UOL

  • Divulgação

    Palmirinha Onofre na capa de seu livro, "A Receita da Minha Vida", da editora Benvirá

    Palmirinha Onofre na capa de seu livro, "A Receita da Minha Vida", da editora Benvirá

Em cerca de 20 anos de carreira na TV, a cozinheira Palmirinha Onofre ficou conhecida do público por passar suas receitas triviais de maneira simples, sem afetação de gurmê, um pouco como aquela vizinha de sua avó, que faz uma lasanha "ótima" de final de semana, mas com farto uso de ingredientes e técnicas que fariam os chefs de plantão torcerem o nariz.
 
Palmirinha não virou sucesso apenas entre as donas de casa. Virou também um ícone meio trash, por conta das confusões que fazia no programa ao explicar as receitas, hesitante ao dizer o nome de utensílios corriqueiros, como se não lembrasse a palavra certa... "faca", por exemplo. Vídeos com essas trapalhadas viraram sucesso na Internet e serviram como propagadores de sua fama.
 
Aos 80 anos, a cozinheira resolveu agora lançar um livro de memórias: "Palmirinha Onofre — A Receita de Minha Vida" (Benvirá). O relato não poupa esforços para retratar Palmirinha como uma Poliana da culinária, uma mártir, torturada pelas circunstâncias, mas sempre otimista e pronta a ajudar aos outros, mesmo que isso signifique em incorrer em mais tragédias para si mesma.
 
Com a "ajuda" da jornalista Ana Cláudia Landi, Palmirinha conta de sua infância sofrida, a mãe violenta, o pai omisso, o marido boêmio, seu calvário contra o câncer e como tudo foi salvo por sua força de vontade. Tudo isso intercalado por receitas que supostamente teriam marcado a vida da cozinheira. As justaposições resultam às vezes bem indigestas.
 
Assim, entre um pudim e uma galinhada, Palmirinha relata que foi vendida pela mãe, por cinco mil réis, a um fazendeiro que tentou violentá-la. Entre um pão de minuto e uma receita de sonhos, conta como o casamento degringolou de vez. Tudo em tom de conto de Carochinha, com fatos jogados e mal explicados, e dá-lhe receita de empadinha, bolo "melecado" e alfajor "bom pra vender".
 
Sem a imagem carismática da cozinheira em ação, as receitas também revelam suas fraquezas. A escolha de alguns ingredientes parece absolutamente sem pé nem cabeça. No "lagarto recheado", por exemplo, a cerveja pode ser trocada por suco de laranja, suco de maracujá ou por vinho branco! Sem nenhuma ilustração, alguns modos de preparo e finalizações ficam bem enigmáticos. E segue a toada de tragédias e receitas.
 
Entre a carne cozida e o minestrone, Palmirinha fala da infância na cidade de Bauru e revela que foi sistematicamente espancada pela mãe "quase todos os dias", durante anos. Depois, conta que o pai, para afastá-la dos maus tratos da mãe, a entregou num tipo de adoção informal a uma viúva francesa, com quem ela dividia a cama…
 
No decorrer do relato, a palavra "pobre" é usado geralmente em oposições: A família era pobre, mas "pomposa"; sua mãe era pobre, mas "caprichosa"; a casa era pobre, mas "limpa"; alguém era pobre, mas "trabalhador"; outro era pobre, mas "elegante". Como se pobre fosse naturalmente sinônimo de sujo, relapso, deselegante, preguiçoso e lambão.
 
Apesar de reafirmar diversas vezes que era "forte" e que sabia "se virar", impressiona a quantidade de escolhas erradas que ela fez vida a fora, oferecendo-se como vítima de situações de desfecho presumidamente ruins e aparentemente evitáveis.
 
Palmirinha está sempre miserável, na rua da amargura, mas inexplicavelmente consegue um dinheiro, na última hora, para ajudar os outros —o marido que a abandonou, a mãe que a espancava, o irmão que só aparece para extorqui-la—, mas nunca para dar um jeito na própria vida. Uma verdaderia santa.
 
A maneira como o episódio de seu câncer é relatado, tem tintas de sobrenatural. Uma porta que se abre sozinha, um cheiro forte de "rosas brancas" e o médico que entra para anunciar o sucesso da cirurgia. Para ela, "um milagre".
 
Palmirinha conta como começou a carreira na TV, quase por acaso, e como ganhou o apelido carinhoso, no diminutivo, de Ana Maria Braga, sua primeira companheira de tela, na Record. Depois, relata sua ascensão meteórica, até se tornar dona de seu próprio programa, na Gazeta, o "TV Culinária".
 
Revela que tinha dores nas costas terríveis no estúdio e que passou temporadas à base de calmantes para aguentar a rotina estafante dos programas ao vivo. Cansada e insatisfeita com as condições de trabalho, anunciou seu afastamento da TV em meados de 2010.
 
Ela não descarta a possibilidade de voltar às telas. "Medo do trabalho eu nunca tive", ela arremata no livro. Tomara que volte. A figura de Palmirinha na TV era divertida e acessível, seu sucesso vinha daí. No livro, ela posa de coitada, num cenário meio fantasioso. Parece irônico que alguém que fez a alegria de tantos tenha escolhido se despedir num tom tão melancólico.  
 
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Pudim de leite condensado da francesa
 
Ingredientes:
1 lata de leite condensado
Leite na mesma medida do leite condensado
4 ovos
1 xícara (chá) de açúcar
 
Modo de fazer
Bata todos os ingredientes com uma colher de pau. Derrame a mistura em uma forma (redonda com um furo no meio), já caramelizada.
Para o caramelo, derreta o açúcar em fogo baixo, mexendo sempre. Asse em banho maria por 45 minutos.
 
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"Palmirinha Onofre — A Receita da Minha Vida"
Pesquisa e redação: Ana Cláudia Landi
Editora: Benvirá
176 páginas
Cerca de R$ 25

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